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Nota Pública - Projeto de Lei nº 7.553/2014

Atualizado: 2 de mai. de 2022



NOTA PÚBLICA CONTRA O PROJETO DE LEI No 7.553, DE 2014, QUE PERMITE A DIVULGAÇÃO DE FOTO, VÍDEO OU IMAGEM DE ADOLESCENTE MAIOR DE 14 ANOS A QUEM SE ATRIBUA A AUTORIA DE ATO INFRACIONAL.


INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE IBDCRIA/ABMP, INSTITUTO ALANA, REDE CIDADÃ, FÓRUM NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA - PROINFÂNCIA, FÓRUM NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, GRUPO DE INSTITUTOS FUNDAÇÕES E EMPRESAS - GIFE, AGÊNCIA DE INICIATIVAS CIDADÃS - AIC, FÓRUM DAS JUVENTUDES DA GRANDE BH E OBSERVATÓRIO DA JUVENTUDE DA UFMG, considerando a publicação transferindo ao Plenário da Câmara dos Deputados a competência para apreciar o Projeto de Lei no 7.553/2014, que propõe alterar a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para permitir a divulgação de foto, vídeo ou imagem de adolescente maior de 14 anos a quem se atribua ato infracional, vêm, pela presente nota pública conjunta, manifestar veemente discordância diante de tal proposição, tendo em vista que:

1 - O artigo 227 da Constituição da República (CR/88) determina ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, os seus direitos fundamentais, dentre os quais os direitos à dignidade e ao respeito, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

2 - Por sua vez, o ECA reforçou a adoção do texto constitucional pela doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente (artigo 1o), reconhecendo ainda que, em sua interpretação e aplicação, devem ser consideradas as suas finalidades sociais, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e, especialmente, a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento (artigo 6o).

3 - A salvaguarda dos direitos à imagem e à personalidade de crianças e adolescentes tem correlação com a proteção aos direitos constitucionais à dignidade e ao respeito e, por isso, devem ser considerados como direitos fundamentais, com status de cláusula pétrea e insuscetíveis de alteração por lei ordinária.

4 - Nesse sentido, o artigo 5o, inciso X, da Constituição da República decreta: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

5 - Importante lembrar que o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais (ECA, artigo 17), sendo dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor (ECA, artigo18).

6 - Na mesma direção, o item 8.2 das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing) dispõe que, em princípio, não se publicará nenhuma informação que possa dar lugar à identificação de um jovem infrator.

7 - Por seu turno, o artigo 143 do ECA - ora ameaçado pelo temerário projeto de lei em comento - diz que é vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional, e seu parágrafo único determina que qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco e residência.

8 - Para assegurar essa vedação, o artigo 247 do ECA considera como infração administrativa a conduta de divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional, punível com multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência; se o fato for praticado.por órgão de imprensa ou emissora de rádio ou televisão, além da pena prevista, a autoridade judiciária poderá determinar a apreensão da publicação (ECA, artigo 247, § 2o).

9 - Não custa lembrar que as crianças e os adolescentes, assim como qualquer pessoa brasileira adulta, são igualmente protegidos pelo princípio da presunção de inocência (CR/88, artigo 5o, inciso LVII), o que torna inconstitucional qualquer divulgação de foto, vídeo ou imagem de adolescente a quem se atribua mera imputação da prática de ato infracional, independentemente da idade.

10 - A divulgação de fotografias, vídeos ou imagens de adolescente a quem se atribua a autoria de ato infracional pode causar prejuízo à imagem e à identidade de pessoa em formação, gerando estigmas capazes de prejudicar todo o futuro desta pessoa e até mesmo a sua integridade física.

11 - Com relação às pessoas adultas, cabe destacar o advento da Lei Federal no 13.859, de 19 de setembro de 2019, aprovada pela atual Legislatura do Congresso Nacional, que considerou crime a conduta de constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública ou a submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei (artigo 13, incisos I e II).

12 - O artigo 28 da mesma Lei também preconiza ser crime divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado.

13 - Inevitável questionar que o mesmo Congresso Nacional que, justamente, aprovou uma lei destinada à proteção da imagem e dignidade de pessoas adultas acusadas de crimes, cogite aprovar, na mesma legislatura e em lamentável retrocesso, legislação antagônica em detrimento de nacionais em peculiar condição de desenvolvimento – os adolescentes.

14 - Para enfatizar a magnitude do retrocesso propugnado pelo projeto de lei ora combatido, podemos resgatar as disposições do antigo Código de Menores de 1979, que, em seu artigo 3o, há mais de 40 anos atrás, propugnava:

Art. 3o Os atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a menores são gratuitos e sigilosos, dependendo sua divulgação, ainda que por certidão, de deferimento da autoridade judiciária competente. Os editais de citação limitar-se-ão aos dados essenciais à identificação dos pais ou responsável.

Parágrafo único - A notícia que se publique a respeito de menor em situação irregular não o poderá identificar, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco e residência, salvo no caso de divulgação que vise à localização de menor desaparecido.

15 - Por fim, nota-se que o Projeto de Lei no 7.553/2014 afronta normas do direito constitucional, infraconstitucional e do direito internacional, colocando o país em uma situação de ofensa ao princípio da vedação do retrocesso, amplamente reconhecido no plano internacional, especialmente em matéria de direitos humanos.

Diante das considerações acima, as organizações signatárias esperam e exigem o devido respeito ao princípio constitucional da prioridade absoluta aos direitos da criança e do adolescente, bem como aos dispositivos legais, constitucionais e normas internacionais que consagram este princípio e a doutrina da proteção integral como pilares máximos da política nacional de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente.

E, reafirmando sua oposição a toda e qualquer proposta legislativa que represente retrocessos aos direitos fundamentais à imagem e à identidade de crianças e adolescentes, mesmo quando acusadas da prática de ato infracional, conclamam os membros do Congresso Nacional e as organizações representativas da Sociedade Brasileira, representada por cada cidadão, coletivo ou organização formal, para que resistam e rejeitem integralmente o Projeto de Lei no 7.553/2014.

Outrossim, permanecem à disposição para colaborar com o debate equilibrado em prol da elaboração de políticas públicas que possam contribuir para a questão da segurança pública, respeitando os direitos fundamentais das crianças e adolescentes e fazendo com que o Estado Brasileiro honre seus compromissos com as futuras gerações.

Brasília, 13 de abril de 2022.

INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – IBDCRIA/ABMP

INSTITUTO ALANA

REDE CIDADÃ

FÓRUM NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA – PROINFÂNCIA

FÓRUM NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE GRUPO DE INSTITUTOS FUNDAÇÕES E EMPRESAS - GIFE

AGÊNCIA DE INICIATIVAS CIDADÃS - AIC

FÓRUM DAS JUVENTUDES DA GRANDE BH OBSERVATÓRIO DA JUVENTUDE DA UFMG


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